Ela já teve seus dias de glória e ficou em primeiro no pódio dos suplementos campeões em academias de ginástica. Mas a desconfiança de que pudesse ir além do limite — chegando, dizia-se, a causar problemas aos rins — mandou-a para o limbo, onde permaneceu por anos. Agora a creatina volta à competição com a ficha limpa e mais poderosa que nunca, tendo como prova de seu lado inocente um estudo da Universidade de São Paulo, feito na Escola de Educação Física e Esporte. “O uso da substância não provoca nenhum dano à saúde”, constata Bruno Gualano, autor do trabalho, que é professor de metabologia do exercício na USP. O cientista garante que a creatina não provocou alterações nem mesmo em indivíduos com problemas renais prévios. “Monitoramos diabéticos tipo 2 por três meses e acrescentamos, além de exercícios físicos, doses de creatina à dieta de metade deles. Nesse grupo, o resultado foi uma melhor sensibilidade à insulina e o controle da glicemia”, diz.
O segredo, segundo Gualano, estaria em uma proteína conhecida como GLUT-4, encontrada dentro dos músculos. Em pessoas saudáveis, ela se desloca continuamente do interior para a superfície celular e vice-versa, transportando, nesse caminho, a glicose presente no sangue para dentro dos tecidos. Nos diabéticos tipo 2, em que a insulina não cumpre direito o seu papel, essa outra proteína, a GLUT-4, também deixa de fazer suas idas e vindas como deveria. E a creatina parece agir exatamente sobre essa segunda substância.
Identificada há longínquos 175 anos pelo químico francês Michel Eugène Chevreul (1786-1889), “a creatina é sintetizada naturalmente nos rins e no fígado e também pode ser obtida pela ingestão de carnes”, explica Getúlio Bernardo Morato Filho, médico do esporte do Centro de Medicina Preventiva e Esportiva, em Brasília. Sua forma em pó, o suplemento, tornou- se popular após o velocista britânico Linford Christie, hoje com 50 anos, creditar sua vitória nos 100 metros rasos na Olimpíada de Barcelona, em 1992, aos efeitos da substância.
“A concentração nas carnes é baixa, cerca de 1 grama por bife, insuficiente para agilizar a performance de atletas de alto rendimento, em que um segundo a mais de atividade intensa pode fazer a grande diferença”, diz Getúlio Filho. A dosagem contida no bife também não é o bastante para assegurar benefícios terapêuticos como o controle glicêmico. Na USP, os pesquisadores conquistaram bons resultados contra o diabete prescrevendo 5 gramas diários de creatina.
Para ter outros efeitos positivos — existe a suspeita levantada por trabalho da Universidade de Sydney, na Austrália, de que a creatina poderia melhorar a cognição —, estima-se que seria preciso uma quantidade ainda maior da substância. Isso porque 95% da creatina se dirige a células musculares e, em números absolutos, o que sobra para outras regiões do corpo é muito pouco.
Investigações assim despertam a seguinte curiosidade: será que, no futuro, a creatina será ingrediente fundamental de medicamentos contra o diabete e, quem sabe, contra doenças degenerativas do cérebro? Ninguém tem a resposta. “Outros estudos devem ser feitos para aumentar o embasamento científico desses achados”, pondera Jomar Souza, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.
“Não podemos ter pressa para não incorrer no erro de prescrever creatina a quem não precisa ou a quem nem sequer deveria utilizá-la”, conclui.
Matéria do CentralNutri
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